Com recorrente exposição à tuberculose, pessoas privadas de liberdade e servidores têm mais chances de desenvolver a infecção do que a população geral
Equipe do projeto Prisões Livres de Tuberculose durante ação educativa com familiares no Pará: informação e tratamento são ferramentas para promover acesso ao diagnóstico e conquistar a cura
A população privada de liberdade representa menos de 1% da população brasileira. No entanto, reúne mais de 11% dos cerca de 70 mil novos casos que o Brasil registra a cada ano, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que contabiliza a incidência de TB no país. De forma objetiva, isso significa que o risco de adoecimento por TB é muito maior no sistema prisional.
Pessoas privadas de liberdade têm 35 vezes mais chances de desenvolver tuberculose. Esse fenômeno está ligado às condições de vida anteriores ao encarceramento de cada indivíduo, bem como às condições estruturais do sistema prisional.
“O mínimo conhecimento sobre práticas de higiene é inexistente em boa parte. A superlotação e a falta de informação sobre a doença também contribuem significativamente para que a tuberculose seja tão presente e tão difícil de superar no sistema prisional”, explica Vanessa Mota, apoiadora institucional do projeto Prisões Livres de Tuberculose no Pará. Leia mais no quadro a seguir.
Desconhecimento sobre tuberculose
Ainda que a tuberculose seja conhecida, muitas pessoas ignoram os sintomas e as formas de transmissão. Sem saber como se se proteger ou identificar um caso de suspeita, acabam ficando mais expostas e podendo ter seu quadro de saúde agravado quando contaminadas.
Ausência de autocuidado
No Brasil, mais de 45% das pessoas que ingressam no sistema prisional não tem ensino fundamental completo, de acordo com o Infopen 2019. Com pouca (ou nenhuma) instrução formal, a maioria tem baixíssima noção de autocuidado, que inclui medidas como lavar as mãos e cobrir o rosto ao espirrar ou tossir (ação conhecida como etiqueta respiratória. Além disso, o histórico de saúde prévio é, muitas vezes, comprometido pelo uso de álcool e outras drogas, alimentação deficiente e doenças pré-existentes, como HIV e diabetes.
Dificuldade de acesso ao serviço de saúde
Quanto antes a tuberculose for diagnosticada, maiores são as chances de cura. No entanto, muitas pessoas ainda demoram a acessar o serviço de saúde, seja pela fila de espera ou por vergonha de buscar atendimento.
Medo e preconceito
A tuberculose ainda é cercada por estigmas. No ambiente prisional, o medo de receber diagnóstico positivo e sofrer rejeição pelas demais pessoas privadas de liberdade ou até pela família podem fazer com que a pessoa evite buscar atendimento, mesmo quando percebe que precisa de auxílio.
Abandono do tratamento
A tuberculose é altamente curável, desde que o tratamento seja cumprido corretamente até o final. Mas o longo tempo de tratamento, os possíveis efeitos colaterais e a falta de orientação adequada sobre a ingestão dos medicamentos fazem com que muitas pessoas abandonem o tratamento após as primeiras semanas, quando se sentem melhores. Nesses casos, a tuberculose tende a se tornar ainda mais forte, aumentando o tempo de tratamento e diminuindo as chances de cura.
Condições das unidades prisionais
A superlotação, a iluminação solar reduzida e a falta de ventilação em muitas unidades são, infelizmente, fatores estruturais que contribuem para a sobrevivência do bacilo de Koch (a bactéria causadora da TB) e a consequente contaminação não somente de pessoas privadas de liberdade, mas também servidores e demais pessoas que circulam no sistema prisional, como familiares, advogados e voluntários.
O projeto Prisões Livres de Tuberculose auxilia as redes públicas no processo de detecção, busca ativa e tratamento dos casos de TB no sistema prisional. Por meio de estratégias de comunicação e educação em saúde, as equipes realizam ações para difundir conhecimento e sensibilizar para a importância do cuidado direcionado à TB e TB-HIV entre pessoas privadas de liberdade, familiares, profissionais de saúde, profissionais de segurança e demais pessoas que circulam nas unidades.
Ações educativas com pessoas privadas de liberdade e servidores visam disseminar informação sobre TB e TB-HIV, afim de que todos atuem de forma ativa na superação da TB
“Durante as abordagens, percebemos que o conhecimento dos familiares costuma ser bastante precário. Quando são questionados sobre a tuberculose, as respostas são vagas e limitadas. E quando perguntamos sobre as formas de propagação, ainda caem nos mitos: transmissão por talheres, roupas etc.”, explica a apoiadora Vanessa.
“Em relação aos servidores, a contaminação é bastante comum. Já presenciamos servidores sintomáticos na ativa e, quando perguntados sobre porque estavam trabalhando naquelas condições, respondiam que não haviam tido tempo para consultar. Considerando isso, as ações são importantes para interferir na cadeia de transmissão da TB.”
A educação continuada em saúde, nesse sentido, proporciona conhecimento e incentiva a mudança de hábitos entre todos os públicos, além de incentivar a adoção de um comportamento mais humanizado nos atendimentos de saúde.
Associadas a outras práticas de assistência em saúde e de gestão, as iniciativas do projeto Prisões Livres de Tuberculose estão contribuindo efetivamente para a superação da tuberculose no sistema prisional e entre a população geral, uma vez que a TB não fica restrita às penitenciárias, mas circula por meio dos familiares e servidores, que ingressam e saem das unidades diariamente.
Commentaires